Como a indústria, o cinema e a publicidade inventaram o diamante

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Sou formada em Publicidade e Propaganda e estou cursando uma pós em Estética e Gestão da Moda também lá na USP. Meu tcc foi sobre moda, cinema e mídia – e sou apaixonada por esses assuntos. Sendo assim, não é difícil entender o meu interesse pelas histórias da publicidade, da moda e do cinema e em como o imaginário coletivo pode mudar ao longo das décadas como resultado da parceria entre essas três indústrias. Na pós, tive uma disciplina sobre moda e joias e fiquei encantada. As joias são signos de poder, feminilidade, elegância e eternidade – inevitável que sejam também fascinantes. Comecei a estudar mais sobre elas e me deparei com algumas curiosidades acerca da invenção do diamante.

Quando me refiro à invenção do diamante, não me refiro à invenção dos pequenos cristais de carbono que compõem a pedra. Mas, sim, à invenção dos diamantes como os entendemos hoje.

Essa ideia de que os diamantes são raros, preciosos e representam o luxo e a riqueza é – pasmem! – recente na história das jóias.

Até o final do século XIX, as gemas só eram encontrados em algumas florestas aqui do Brasil e em alguns rios na Índia, e toda a produção mundial de diamantes totalizava alguns quilos por ano. No entanto, em 1870, grandes minas de diamantes foram descobertas perto do Rio Orange, na África do Sul, onde as pedras logo foram escavadas em toneladas. E foi assim que a sua produção, até então escassa, mudou de escala.

Os principais investidores das minas de diamantes perceberam que não tinham outra alternativa a não ser convergir interesses em uma única entidade que seria poderosa o suficiente para controlar a produção e manter a ilusão da escassez de diamantes no mundo. A solução que eles criaram em 1888 foi chamada De Beers Consolidated Mines Ltd., baseada na África do Sul. Quando De Beers assumiu o controle de todos os aspectos do comércio mundial de diamantes, adotou muitos nomes. Em Israel, levou o nome de “The Syndicate”. Em Londres, foi denominada Diamond Trading Company. No resto da Europa, chamou-se C.S.O., ou “Central Selling Organization” (Organização Central de Venda, em tradução livre).

Alguns anos depois, na década de 1930, o mercado de diamantes enfrentou uma queda. O preço da pedra diminuiu em todo o mundo. A Europa estava em plena Grande Depressão e estava prestes a se afundar em outra guerra. Portanto, a ideia de um anel de noivado de diamante não condizia com a situação dos europeus no período. Mais: no continente, os anéis de noivado eram considerados um luxo e, quando comprados, raramente continham diamantes.

Foi nesse contexto que, em 1938, Harry Oppenheimer, filho do fundador da De Beers, recrutou a agência de propaganda norte-americana N.W. Ayer para revolucionar a imagem dos diamantes nos Estados Unidos.

A prática de dar anéis de noivado de diamante andava ganhando força nos EUA já há alguns anos, mas os diamantes vendidos eram cada vez menores, mais baratos e de menor qualidade.

A “invenção do diamante” foi muito mais do que a criação de um monopólio para a fixação dos preços das pedras. Foi, principalmente, um mecanismo para transformar cristais de carbono em símbolos universais de riqueza, classe, poder e romance.

Para atingir esse objetivo, De Beers teve que controlar a demanda e a oferta. Por isso, a campanha publicitária da N.W. Ayer focou em persuadir os jovens rapazes de que os diamantes eram sinônimo de romance e que a medida do amor de um homem – assim como seu sucesso pessoal e profissional – era diretamente proporcional ao tamanho e à qualidade do diamante que ele poderia comprar. As moças, por sua vez, tinham que estar convencidas de que o pedido de noivado deveria ser feito, invariavelmente, com um diamante.

O plano para romantizar diamantes resultou na alteração do imaginário coletivo quanto à maneira como um homem cortejava – e conquistava – uma mulher. Para fazer isso, a agência de publicidade sugeriu investir fortemente no chamado “star system” da indústria cinematográfica.

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O anel de noivado de diamante de Elizabeth Taylor, presente do ator Richard Burton.

Os ídolos do cinema, ideais de romance para o público, receberam diamantes para usar como símbolos do seu eterno amor. Além disso, a N.W. Ayer sugeriu fornecer histórias e fotografias das estrelas e da alta sociedade a revistas e jornais que reforçariam o vínculo entre diamantes e romance. As histórias ressaltariam o tamanho das joias com as quais as celebridades presenteavam seus entes queridos. Os grandes estilistas também tiveram o seu papel na grande campanha, participando em programas de rádio para discursar sobre as últimas tendências dos diamantes.

E não só fora das telonas as divas e os galãs de cinema colaboraram para a grande campanha de invenção do diamante.

Filmes inteiros foram criados, patrocinados e incentivados pelas grandes maisons de joias. Marilyn Monroe canta, em “Gentlemen Prefer Blondes” (Os Homens Preferem as Loiras), que os diamantes são os melhores amigos das mulheres. Mais do que isso, na letra da música, cita por nome as marcas diamantárias Tiffany’s, Cartier, Black Star, Frost, Gorham e Harry Winston. Audrey Hepburn foi eternizada com seu colar de pérolas e diamantes em “Breakfast at Tiffany’s” (denominado no Brasil como Bonequinha de Luxo, mas que seria melhor traduzido como Café da manhã na Tiffany’s).

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A diva Audrey Hepburn eternizada com seus diamantes em frente à Tiffany’s.

Sean Connery estrela como James Bond no filme – mais literal, impossível – “Diamonds are Forever” (ou “007 – Os Diamantes são Eternos). O filme “To catch a thief” (Ladrão de casaca)com a deslumbrante Grace Kelly, tem como enredo principal o roubo de diamantes. Isso só para dar alguns poucos exemplos, pois seriam tantos que seria possível fazer uma matéria inteira falando apenas neles: os filmes que beneficiaram os diamantários.

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Gracy Kelly e Cary Grant em “Ladrão de Casaca” (1955).

Estudantes do ensino médio também entraram nos planos como um público-alvo. N. W. Ayer organizou palestras em escolas secundárias de todo o país. As palestras giravam em torno do anel de diamante como o único anel possível para um pedido de noivado e alcançavam milhares de meninas em suas assembléias e reuniões nas principais instituições educacionais dos EUA.

Em 1948, a redatora Frances Gerety da N.W. Ayer criou o slogan “A Diamond is Forever” (em português, “Um diamante é para sempre”). O slogan não poderia ter sido mais valioso, pois lembrava às pessoas que o diamante serviria como uma ode ao amor e, como tal, deveria permanecer para sempre na família, para nunca mais ser vendido. No entanto, associar o diamante ao romance não era suficiente. No final da década de 1950, a N.W. Ayers descobriu que os americanos estavam prontos para o próximo passo lógico: reconhecer o anel de diamante como elemento fundamental no pedido de noivado.

https://youtube.com/watch?v=Abtkb8EVQjM

Mas a agência não parou por aí. A sua equipe observou que quando as mulheres estavam envolvidas na seleção do anel de noivado elas tendiam a escolher anéis mais baratos. Então, De Beers encorajou o noivado “surpresa”, com homens escolhendo o diamante por conta própria. Somada a isso, é claro, a mensagem de que, quanto mais cara a pedra, melhor ele ficaria aos olhos de uma mulher. Eles até mesmo deram aos homens uma orientação: os homens americanos deveriam gastar dois meses de salários no anel de noivado, enquanto os japoneses deveriam gastar três.

No vídeo: “how else could two months’ salary last forever? A diamond is forever.” (Como mais o salário de dois meses poderia durar para sempre? Um diamante é eterno.)

No Japão, a De Beers vendeu anéis de diamantes como representações dos “valores ocidentais modernos”. Em 1967, quando a campanha começou, menos de 5% das noivas japonesas possuíam um anel de noivado de diamantes. Em 1981, esse número já havia sido catapultado para 60%, e o Japão havia se tornado o segundo maior mercado para anéis de noivado de diamantes, atrás apenas dos Estados Unidos.

https://www.youtube.com/embed/bplNx9-To9k
Além de todas essas frentes de ação, a N. W. Ayer lançou uma série de propagandas em revistas com o intuito de moldar a opinião de elite, reproduzindo pinturas famosas de artistas como Picasso e Dalí. Os anúncios pretendiam transmitir a ideia de que os diamantes, como as pinturas, eram obras de arte exclusivas.

Nos Estados Unidos, que permaneceram como o mercado mais importante para os diamantes da De Beer, N. W. Ayer percebeu a necessidade de criar uma nova demanda de gemas entre os casais casados há muito tempo. Uma campanha publicitária foi criada para repercutir a ideia de um segundo diamante como presente, após anos de casamento, seria aceito como uma renovação dos votos do matrimônio.

A concepção do diamante como a pedra preciosa mais importante do mundo foi construída e planejada de maneira a levar a publicidade a um patamar poucas vezes alcançado na história.

A campanha patrocinada pela De Beers não vendia diretamente um produto ou marca e, sim, uma ideia. A ideia do valor emocional, de poder e eterno do diamante.

Para vocês terem uma ideia, em 1939, quando a De Beers contratou a N.W. Ayer para mudar para sempre a simbologia do diamante pros norte-americanos, suas vendas anuais das pedras eram de US$ 23 milhões. Em 1979, a campanha publicitária ajudou a De Beers a expandir suas vendas para mais de US$ 2,1 bilhões anuais. Isso, apenas nos Estados Unidos. O sucesso foi – e é – tanto que o slogan “A Diamond is Forever” é usado até hoje nas campanhas da De Beers. 

https://youtube.com/watch?v=otzhMHKTbaA

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27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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