Não quero viver um grande amor
Sem pensar muito ou recorrer ao Google, listo algumas das maiores histórias de amor da literatura: Paris e Helena, Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Eros e Psiquê, Anna Karenina e Vronsky, Orfeu e Eurídice, Medeia e Jasão. Todas, sem exceção, terminam em tragédia.
No cinema, outro desfile: Gerry e Holly (P.S.: Eu te amo), Vada e Thomas (Meu Primeiro Amor), Landon e Jamie (Um amor para recordar), Sylvia e James (Em busca da Terra do Nunca), Katie e Hubbel (Nosso amor de ontem), Guido e Dora (A vida é bela), Georges e Anne (Amour), Jack e Rosa (Titanic).
Não vou sequer entrar no mérito das músicas, da televisão e dos mangás – e nem preciso. As mais lindas histórias de amor são tristes.
Os românticos, autores pertencentes à escola literária dos grandes romances ocidentais, viravam noites e dias cantando as belezas dos amores impossíveis. Dos amores difíceis, sacrificantes, doídos no coração. Os Grandes Amores™.
A tristeza, vocês sabem, é muito mais poética do que a alegria. E, ainda hoje, séculos depois do romantismo, entre referências literárias, midiáticas e culturais, seguimos padrões românticos quando pensamos em Grandes Amores.
Um Grande Amor supera todos os obstáculos, a distância, as diferenças, as brigas e os ciúmes.
Um Grande Amor, esse guerreiro, enfrenta o tempo, o destino e o medo em sua lírica luta diária.
Um Grande Amor é raro, difícil, sofrido e vem para salvar o outro, que sempre esteve incompleto e nunca soube direito o porquê. Vem para transformar dois em um, para unir duas vidas e para ensinar cada uma das partes a ser feliz.
E que aprendam mesmo e sejam felizes para sempre, sim – só que eu não quero viver um Grande Amor™.
Eu quero a sorte de um amor tranquilo, com gostinho de sorvete de chocolate e chá quentinho acompanhado de biscoitos que acabaram de sair do forno.
Quero viver um amor clichê, sem grandes reviravoltas, brigas e obstáculos a serem superados. Me desculpem os idealistas, mas eu só aceito um amor se ele for fácil. Com isso, não quero dizer descartável, mas que seja fácil escolher o outro dia após dia como o é escolher rotineiramente o que farei para o café da manhã.
De lutas diárias, me bastam as que não posso controlar.
Se é para viver um amor, que seja para transbordar.
A rima saiu sem querer, até porque Deus me livre de viver um amor que poderia virar versinho, já que amores que viram poesia também terminam numa tristeza só.
Não procuro – ou aceito – um amor que me complete. Passo longe das promessas de amores que pretendem me ensinar a ser feliz. Não pretendo ser a luta diária de alguém.
Aceito, por outro lado, caminhar junto e escolher todos os dias torcer e trabalhar pela minha felicidade e pela felicidade do outro. Aceito caminhar lado a lado, aceito dar as mãos enquanto desbravo meus caminhos que se fazem nossos pela ligação profunda do querer-bem.
Não tenho medo de grandes sentimentos. Estou pronta para sentir tesão, felicidade, paixão, vontade de morder e de guardar o outro no lado esquerdo da cama. Já o ciúme e a posse, grandes emoções românticas, não me interessam. Mas me interessa, sim, um amor que se renova dia após dia.
Favor não me entender mal: não vivo em busca de um amor. Se vivesse, negaria a minha própria teoria de que amar é fácil, é simples. Tranquilo. Nada que se procura vem sem o peso inconstante das expectativas. Nada disso, se for para dar de cara com o amor, que seja num encontrão, desses que você dá quando não está olhando direito por onde anda.
E então, reconhecerei no outro o convite a ser feliz junto. Sem viver um Grande Amor™, viveremos um amorzinho, carregado de clichês gostosinhos, de diminutivos cafoninhas e da sensação universal de ter o amor mais único do mundo.
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