Sobre intercâmbio, sobre viajar

Sobre intercâmbio, sobre viajar

Quando decidi que iria tentar um intercâmbio, pouco mais de um ano atrás, não sabia bem o que esperar. Muito se diz sobre todas as coisas que se vive em uma viagem, mas até então eu sempre havia me deixado dominar pelo medo do desconhecido: medo de viajar de avião pela primeira vez, de morar sozinha, de aterrissar em um lugar novo, de não ter pessoas queridas imediatamente à minha volta. Viajar era apenas mais uma das questões pessoais que eu postergava pelo simples fato de não poder controlar, predizer, projetar. Mais um dos sonhos que eu reservava a minha imaginação. Até o ano passado, quando consegui uma bolsa para estudar audiovisual por cinco meses em Madrid.

Descobri que viajar é muito mais do que conhecer lugares novos. Viajar é estar 100% sensível a tudo e a todos ao seu redor. É como um grande parêntesis na correria do dia-a-dia, é deixar de se preocupar com a finalidade, com a hora, e curtir o percurso, olhando pela janelinha. A grande questão é que quando se tem um número determinado, curto e finito de dias para se viver e conhecer uma cidade, não há tempo a perder. Cada esquina é única, cada metrô é de um jeito, e só Deus sabe quando você terá a oportunidade de encontrar telhas de uma catedral daquela cor e naquela posição, então vale olhar com atenção. Viajar é como aquele último respiro antes de um mergulho: você quer captar todo o ar que conseguir, pois não sabe ao certo quanto tempo levará para poder voltar a superfície.

Viajar também me ajudou a julgar os pontos fortes e fracos da minha São Paulo; usei e abusei do transporte público e da segurança européia para ir e vir de todos os cantos, mas senti falta do calor, da simpatia, dos abraços e dos sorrisos de estranhos. Por isso mesmo aprendi a valorizar o carinho dos meus amigos daqui, assim como os pequenos avanços conquistados dia-a-dia na Universidade lá; os espanhóis são fechados e têm gênio forte, mas sabem ser gentis e amáveis se você lhes der tempo. Gosto de pensar também que os ensinei a abraçar mais; não há nada melhor para mim do que abraços sinceros, não importa de onde venham os braços.

Da mesma forma que aprendi a entender melhor os outros – fossem meus companheiros de apartamento, os alunos da minha classe, minha amiga portuguesa ou meu melhor amigo do Brasil – também consegui enxergar mais claramente traços de mim mesma. Minha ansiedade, a dificuldade de estar sozinha, de tomar decisões, de lidar com o impreciso e de arriscar ficavam mais evidentes a cada dia, e isso era até que bom. Era (e ainda é) um desafio que resolvi aceitar, e sinto que a intensidade do que eu vivi e senti lá os colocou em evidência para mim mesma. Por mais simples que possa parecer, fiquei feliz em conseguir montar uma mala do tamanho de uma mochila escolar para 10 dias de viagem ao final do intercâmbio – eu, que sempre a carrego a mesma mochila igualmente cheia todos os dias para o estágio.

Além da mala compacta, tenho uma segunda conquista pessoal/sentimental: um vídeo que planejei e consegui produzir. Ele é simples e traz consigo incontáveis falhas técnicas, mas ainda assim consegue me tirar um sorriso cada vez que assisto. Por um mês inteiro abordei desconhecidos e amigos pelas ruas de Madrid e de outras cidades em que estive com um único pedido: que cada um dissesse “Feliz aniversário, Thais!” em sua própria língua. O resultado são quase sete minutos de pessoas desejando felicidades a minha mãe e muitas, mas muitas histórias e conversas memoráveis com pessoas que sequer sei pronunciar (ou me lembro) o nome. Iniciar as gravações era sempre um desafio, e muitas vezes quase não abordei alguém que parecia interessante por preguiça, vergonha ou apenas inércia – eu estava tão bem ali, só tirando fotos! Por quê me levantar e correr o risco de receber aquele olhar de desprezo? Entretanto, cada pessoa que respondia com um sorriso, que chamava mais um colega para dar parabéns ou resolvia aproveitar a situação para puxar assunto sobre o vídeo, sobre minha mãe ou sobre o Brasil me dava vontade de abordar outra, e mais outra, e mais outra. Acho que foi aí que me viciei em pessoas: elas são incríveis. Inclusive os europeus, que tantas vezes repetimos sem nem pensar que “são fechados” ou “secos”.

Apesar do desafio de fechar minhas malas de volta, cada vez tenho mais certeza de que todo o mais importante da minha viagem voltou comigo, e não caberia em local algum. Eu mal consigo fazer caber em mim mesma todas as pessoas e experiências condensadas naquele período. Viajar literalmente mudou meu mundo, me fez crescer. Se eu tivesse uma mínima noção antes, teria partido há anos.

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Foto: Madeleine Hope-Fraser

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clara-fagundes-pesquisadora-do-futuro

27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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