O machista de bem e os machismos do dia a dia
O machista de bem é um rapaz educado. Um perfeito cavalheiro, do tipo que jamais pagaria a conta do restaurante para a sua namorada pois seria lhe negar o direito de provar que também consegue se prover, oras. O machista de bem é contra vips em baladas porque as mulheres são iguais aos homens e não devem ser insultadas com privilégios baseados em gênero. Essa crença, é claro, não se aplica aos exclusivos para solteiras, porque aí não é machismo, é… justiça.
Faz parte do grupo que se congratula em reuniões com amigos sobre como ajuda em casa vez ou outra. Muitas vezes, sem sequer precisar de um empurrãozinho das suas respectivas. O machista de bem, esse santo, acha um sacrilégio alguém abrir a boca para dizer que lugar de mulher é na cozinha. Mas se alguém argumentar que até a presidenta é mulher e isso prova que o tal de sexismo já não existe… Bom, disso, ele não pode discordar.
O machista de bem não acorda com o choro do neném porque tem o sono pesado, porque amanhã acorda cedo, porque não tem muito jeito com isso ou porque sua mulher é tão mais habilidosa… Não porque sinceramente ache que essa é a função dela, isso nunca. O machista de bem não entende o porquê da Marcha das Vadias: não por ser conservador, mas porque há outras formas de protesto mais legítimas e menos… Exageradas. Também é o mesmo que seca as meninas de biquíni na praia como se fossem pedaços de carne em exposição. Só as gordas usam maiô, já percebeu?
O machista de bem achou de um sensacionalismo sem fim aquela Chega de Fiufiu, como se um “linda” algum dia tivesse machucado alguém. Ou como se olhar tirasse pedaço, ora vamos! Por outro lado, acha de muito bom tom aconselhar mocinhas de bem a andar com mais roupas, afinal, se não querem chamar atenção, é só não chamar. Simples assim.
O machista de bem é como a representação ideológica da classe média que se assusta ao ver (supostos) pobres andando de avião, comprando roupas de grife e frequentando shoppings em busca de, veja só, lazer. Por seu lado, acha certíssimas essas mulheres que trabalham fora, contanto que não se esqueçam dos deveres de casa, das obrigações como mãe e, claro, como esposas, namoradas e moças de bem.
O machista de bem acha esquisito ouvir de uma mulher que está feliz em ser solteira e automaticamente imagina as doses homéricas de promiscuidade presentes em sua vida sexual. Comemora. Essa certamente vai ser fácil de levar para a cama.
O machista de bem acredita em “friendzone” e também que a mulher precisa agir com muita má fé ao usar decote, sendo solteira ou *desquitada* e ainda dizer não quando é assediada. No fundo, no fundo, ela bem que queria!
O machista de bem acredita que c* de bêbado não tem dono e vai assediar mulheres alcoolizadas, sim, mesmo as inegavelmente indefesas. C* de bêbado, obviamente, ganha um dono se o bêbado for um homem e os amigos decidirem fazer essa brincadeira horrorosa com o próprio amigo. Se fosse com ele, claro, teria dado uma surra em cada um deles. O machista de bem trata as mulheres como iguais e idolatra a mãe, mas é o primeiro a chamar de vadia a mulher que, no calor, decide sair na rua com regatinha e short – curto ou não. Procura uma mulher que seja para casar.
O machista de bem é prontamente contra o aborto, não por ser contra a mulher, mas por ser a favor da vida. Ele também acha normal que o pai adolescente continue os seus estudos enquanto a jovem mãe para a sua vida para aguentar as consequências das suas escolhas. Alguém vai precisar manter a família, né.
O machista de bem fica indignado quando, na balada, a mocinha nem-tão-gostosa-assim se atreve a lhe dizer não. Ele, cidadão também de bem, homem e disponível.
O machista de bem acha que o mundo já não é mais desigual: afinal, as mulheres podem até votar e trabalhar.
O machista de bem não precisa, ao sair de casa, pensar em como evitar ser estuprado. Mas se a vítima de estupro estava andando sozinha de vestidinho curto à noite… Bem, não é que ela merecia, mas, sabe, ela procurou.
O machista de bem não aceitaria jamais que alguém levantasse o dedo para denegrir uma “mulher para casar”. Mas sobre as tais “mulheres-objeto”, levanta ele mesmo. Vadias.
O machista de bem jura de pés juntos que não é machista coisíssima nenhuma. Inclusive, é adepto do feminismo, mas aquele “de verdade”. Não esse dessas feminazis ou feminoias por aí. A definição do feminismo de raiz, puro e verdadeiro, certamente vem dele mesmo.
Oh, céus, Deus me livre dos machistas de bem.
E você, conhece alguns machistas de bem? Como você os identifica?
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