O mito da beleza com Manu Xavier

O mito da beleza com Manuela Xavier

O padrão de beleza sempre vai mudar, a única coisa que se mantém é isso: o fato de que nunca chegaremos nele. Clara conversa com Manuela Xavier sobre o mito da beleza em seu podcast Olá, Bruxas.


As vitórias do homem são do mundo.

Sucesso acadêmico, profissional, financeiro.

As vitórias da mulher são individuais.

Beleza, casamento, maternidade.

Desde sempre, aprendemos que o valor feminino é a beleza.

É a beleza que nos faz ser escolhida.

É a beleza que garante que sejamos amadas.

A beleza, claro, precisa também vir junto com a juventude, a magreza, a feminilidade, a pureza.

Afinal, bela e velha? Bela e gorda? Bela e vadia? Bela e não delicada? Bela e livre?

Essas coisas não existem.


As exigências de beleza não são só sobre a aparência. São sobre comportamento, submissão e a garantia de que nunca, nunca seremos suficientes. Nenhuma de nós pode parar o tempo. Nenhuma de nós pode se tornar adulta e manter a inocência intocada da infância. Debates sobre cultura da pedofilia à parte, precisamos falar sobre o mito da beleza.

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O mito da beleza


A beleza é um mito patriarcal e de estratégia política para manter mulheres alienadas, ocupadas e mais pobres. É algo que suga os salários, o tempo, a energia vital feminina e faz com que rivalizemos umas com as outras. O padrão de beleza sempre vai mudar, a única coisa que se mantém é isso: o fato de que nunca chegaremos nele. Sempre vai ser preciso emagrecer, rejuvenescer, tonificar, atingir, esconder, encorpar. É uma questão social, porque apontamos os dedos para mulheres que também foram doutrinadas assim. Será que nós entendemos como a pressão estética intacta as nossas vidas? Auto-estima, empoderamento, resolvem tudo? Estamos nos levantando contra ou a favor do julgamento feminino?

Eu sou Clara Fagundes, futurologista, comunicóloga, e esse é o meu podcast Olá, bruxas.

 

#6 O mito da beleza com Manuela Xavier

Clara Fagundes – Estou aqui com a convidada mais pedida por vocês até hoje, Manuela Xavier. Psicanalista, Doutora em psicologia clínica e uma das mulheres mais inspiradoras que eu já tive a sorte de conhecer na internet.

Manuela Xavier, convidada do Olá, Bruxas para o Episódio #6 O mito da beleza.


Clara – Manu, eu tô muito feliz que você está aqui. Seja bem vinda!

Manuela Xavier (Manu) – Nossa recíproca é totalmente verdadeira. Você tem um trabalho que eu admiro muito, gosto da sua comunicação que é fluída, que é leve, que é profunda. Acho que você é uma personalidade muito importante na internet hoje em dia.

Clara – Vamos começar com o básico para quem nunca leu o livro O Mito da Beleza, quem nunca ouviu falar sobre esse tema. Manu, como você explicaria a ideia do mito da beleza?

Manu – Eu acho que O Mito da Beleza é um extra livro. Esse tema “o mito da beleza” é de uma construção muito importante, trazer a beleza como um mito, porque a beleza é um conceito que existe, e o quê que é a beleza? há uma indústria da beleza que produz uma ideia de beleza que é uma ideia mitológica, mentirosa – ela não existe, ela não é palpável, ela não é real. Então o livro O Mito da Beleza da Naomi traz um desenho histórico de como foi produzido o conceito de beleza. Não é uma história sobre a beleza, mas como foi produzido de forma a se manter inalcançável e para produzir frustrações e insegurança feminina, ele incide sobre as mulheres. Então acho que é uma discussão muito importante principalmente por conta desse nome, de trazer beleza como mito. Acho que hoje em dia é ainda mais urgente, está tudo muito mais virtual, o conceito de beleza, de que você compra a beleza com essas frases horríveis, do tipo “não existe mulher feia, existe mulher que não conhece produtos do capitalismo”.

Clara – Vamos falar sobre isso. Mas antes, vamos comentar o tema polêmico que lotou a caixinha de perguntas: Dá para separar o livro da escritora? Naomi se revelou negacionista e antivacina, e agora como as polêmicas da autora impactam o livro? Primeiro, a convidada: O que você acha, Manu?

Manu – Essa discussão é importante, porque realmente, como que a gente separa o autor da obra? É curioso ter incidido sobre uma mulher, quando a gente tem artistas aqui, brasileiros, que têm um histórico problemático e a gente tá aí ouvindo dentro do show – então, como que é isso? A minha posição é que O Mito da Beleza não traz informações novas que ninguém nunca viu. Ele é um grande compilado de coisas que a gente vê por aí, de coisas que estão em pesquisas, que acontecem na vida. É uma organização muito bem feita. Mais do que uma pesquisa, é uma curadoria. A gente precisa operar críticas, porque a gente viu aí ela sair do armário como negacionista. Antes disso, já tinham crítica sobre o livro por conta de apresentar dados que não são exatamente esses, existiam críticas que foram críticas que eu mesma operei durante a leitura, de trazer um conceito que é muito focado na mulher branca norte-americana. Mas, no final, não é uma exegese da história da mulher, é um compilado sobre o conceito de beleza.

Clara – Não é por acaso que as mulheres se reconhecem, porque eu fui lendo e eu fui me reconhecendo. O livro não tinha nenhuma novidade, era a minha vivência, os dados não tiram a legitimidade da informação. E eu concordo totalmente, eu acho que nós somos mais rápidas em apagar o trabalho feminino por opiniões ou por atitudes ruins do que isso acontece com homens. Porque, por exemplo, muitos homens que nós estudamos na escola e na faculdade eram preconceituosos, eram machistas, e isso é facilmente separado da obra deles. Com mulheres, essa diferenciação parece mais difícil, porque como a gente vai aceitar que mulheres erram feio e ainda assim são inteligentes, produziram e produzem coisas úteis, se a gente ainda se prender uma imagem feminina dualista? O homem tem essa complexidade, ele pode ser várias coisas, e a mulher ainda é isso ou aquilo. No episódio anterior a gente falou sobre isso trabalhando essa dualidade da virgem, da pura, da puta e tal. Eu não tenho ídolos, nem homens, nem mulheres, então consigo separar bem o que a pessoa fez do que a pessoa acha, mas também é um tema complicado. O mito da Beleza, especificamente, foi um marco necessário na minha militância, me fez realmente entender muita coisa que eu já tinha passado e que eu não tinha botado um nome específico, ela foi lá e colocou esse nome. Isso me ajudou, e eu ainda acho que é uma leitura importante, mas é isso: a gente tem que entender o lugar de onde não me fala. Ela fala como mulher branca classe média alta estadunidense de direita, antivacina… Eu já sabia de antes que ela não tinha as mesmas visões políticas do que eu, porque ela foi conselheira de Bill Clinton, então não tinha, de fato, como ela ser alinhada politicamente comigo. E também o livro foi lançado há 30 anos, então não tem um monte de recorte, de coisas que mudaram de lá para cá. Eu acho que é um debate muito importante, inclusive para a gente parar de pensar em “bíblias do feminismo“, tipo assim “nossa esse livro é uma bíblia do feminismo”. Que bíblia? Isso não deveria nem existir, a gente não deveria trazer essa lógica religiosa para um movimento político, né.

Clara – Manu, qual foi a primeira vez ou quais foram as primeiras vezes na sua vida em que você sentiu a pressão estética operando? Você lembra?

Manu – Eu acho que é tão importante parar de reproduzir “bíblias”. Uma coisa é ter um efeito de acender luzes para você, e outra coisa é uma coisa ter um efeito de explicar toda uma lógica de uma construção acadêmica. Os dados que ela apresenta – Isso faz sentido hoje para a mulher hoje em dia? Vai lá pesquisar os dados, exercitar a autonomia. O conceito e a problemática da beleza, apesar de ser uma temática feminista, atravessa o feminismo, porque impacta todas as mulheres. Diferente de a gente falar, por exemplo, de relacionamento abusivo, que muitas mulheres vão achar natural, essa é uma parte que está para todas as mulheres. Mas você vê que no livro não aponta saídas institucionais e coletivas, é aquela coisa bem neoliberal.

Clara – Quem acompanha eu (@clarafagundes) e Manu (@manuelaxavier) no Instagram, nas redes sociais, vê que estamos sempre falando de politizar o feminismo… Senão fica nesse raso, nessa visão neoliberal. É a visão que vai parar na camiseta da fast fashion, da loja de departamento [risos].

Clara – Respondendo à sua pergunta, Clara: Eu me lembro de sentir o peso da pressão estética desde que eu me entendo por gente, tipo assim, com 6 anos minha mãe me levando em nutricionista, porque “precisa emagrecer”. Eu não era uma criança com nenhum problema de saúde. Era uma criança supostamente fora do padrão, quando vejo as fotos hoje acho absolutamente normal. Mas fui uma criança com muitas intervenções. Desde os 6 em nutricionistas, fazendo dietas. Minha mãe é medica, a leitura desse livro provocou muitas mudanças na nossa relação. Ela falou assim “nossa eu fiz isso por você, pelo seu bem” eu falei assim “hoje a gente entende de outra forma, o que te levou, quais as violências que incidiram também sobre o seu corpo lá atrás, que fez com que você incidisse sobre mim”. Não é uma critica à minha mãe, mas é um apontamento que quer produzir um alerta. Minha mãe é médica então ela tinha ali um arsenal nas mãos dela para fazer intervenções sobre o meu corpo. Então eu era uma criança maior, eu já tinha essa estrutura desde pequena. Antes de eu menstruar, aos 9 anos, a puberdade acontecendo, minha mãe sacou e me levou a uma endocrionologista para fazer um procedimento de retardar a menstruação, aí eu tomei umas injeções.

Clara – Eu também [tomei injeções], socorro!! E eu comecei quando tinha uns 5, 6 anos.

Manu – Depois disso, foi só ladeira abaixo. Com 9, eu menstruei, e tudo que se supunha estar errado no meu corpo, foi ficando mais errado. Bunda grande demais, peito grande demais, gorda demais. Já não era mais um corpo fora do padrão, magro ou gordo, já era um corpo sexualizado. Com 15 anos, fui fazer uma cirurgia de redução de mama. E nesse meio tempo, estava fazendo dieta, fazendo natação, fazendo várias coisas. E acabei fazendo a cirurgia arbitrariamente, hoje vejo que foi uma violência. Na época, eu não sabia que poderia ter dificuldade pra amamentar, que poderia ter perda de sensibilidade. Só depois disso tudo, na vida adulta, tenho muito claro a pressão estética.

Clara – Muito obrigada pelo relato, Manu, me sinto muito contemplada. A diferença é que, no meu caso, ouvi que eu era desproporcional e deveria colocar silicone, como “sugestão”de muitas pessoas. Aos 10 anos eu já tinha 1,70m, ninguém me entendia como uma criança mais, mas a minha mente ainda era de criança. Eu não conseguia entender essa desconexão entre como eu me via e como os outros me viam. Foi ali também que eu comecei a passar por assédio bem intenso, de homem adulto que me vê de fardinha da escola e abordava, e eu também comecei a engordar nesse período, ali com uns nove, e hoje eu super vejo que eu tinha vontade de me esconder. Eu não tava sabendo lidar com meu corpo, então eu comecei a comer bem mais do que eu comia normalmente, vieram uns infinitos comentários sobre o meu tamanho. No ano seguinte eu já tava na nutricionista, tava fazendo dieta, e era urgente, tudo era muito urgente. Quando eu vejo as minhas fotos eu me pergunto “de tiraram toda essa urgência que eu precisava fazer dieta?”. E aí tinha um comentário preocupado, tinha um comentário maldoso, tinha um comentário me alertando que se eu continuasse assim ia ficar como aquelas do reality show, de pessoas que não conseguiam nem andar mais. E aí desde os meus oito, nove ali, começou essa luta com o meu corpo, que ficou por muito tempo. Outra coisa que eu me lembro bem foram os pelos. Eu sou uma pessoa de sobrancelha grossa, que tem pelos em geral, e os pelos só viraram um problema para mim porque viraram um problema para os outros. Para mim, não – era uma coisa completamente natural. Eu lembro de um coleguinha na aula de Educação Física dizer para eu deixar de ser nojenta e depilar a perna, nessa época eu devia ter uns 9 ou 10 anos. É engraçado que hoje um monte de gente paga micropigmentação para ter a minha sobrancelha. Então se eu tivesse realmente depilado, como essas minhas colegas queriam, talvez hoje eu tivesse fazendo a micropigmentação, né.

Clara – E hoje em dia, Manu? Como você diria que a pressão estética afeta sua vida, apesar do feminismo, apesar de tudo?

Manu – Assim, não dá para dizer que não afeta, porque eu acho que ela incide sobre todas as mulheres. Você vê né, a gente aqui falando de mito beleza e eu me maquiando. Eu acho que essas contradições são muito interessantes de problematizar. Linkando lá naquela sua fala da bíblia que precisa ser tampada, a gente precisa entender que ser feminista não te impõe uma cartilha que você não pode se maquiar, não pode depilar. Ser feminista não é fazer uma recusa a todas as imposições que são postas sobre nós, porque não é possível. Existe subjetividade, e a nossa subjetividade se estrutura a partir desses ditames, a partir dessas lógicas. Então acho que uma mulher que diz “hoje a pressão estética não me toca” é mentira, toca! E se não toca, parabéns, que massa que você é uma pessoa muito analisada, gostaria de um dia chegar lá. Eu hoje, mesmo sendo feminista, mesmo sendo Doutora em psicologia, mesmo problematizando várias coisas, me toca de alguma forma, quando algum momento me bate um desconforto com meu corpo. Apesar disso ser uma outra questão que eu enxergo pela perspectiva da psicanálise, pensando corpo na psicanálise, podemos falar disso depois. Mas ainda toca no sentido de eu me achar mais bonita maquiada do que sem maquiagem. Demorei pra estabelecer isso, porque fui uma criança que desde muito cedo fui adultizada, e eu carregava de uma forma muito caricata. Eu tomei para mim o caricato, eu gosto de andar com a sandália salto 15 desse tamanho, eu gosto de usar as unhas enormes parecendo um gavião… Tomei para mim essa caricatura, porque de alguma forma é o que foi passado para mim como sendo feminilidade, é que eu peguei e exagerei. Hoje não tenho nem joelho para usar isso, mas isso tá implantado em mim. Não sei viver sem maquiagem. Me prefiro com maquiagem, me prefiro com unhas. Será que isso é porque eu me prefiro assim, que é mais bonito, ou é que tá implantado em mim?


Continua…

Escute na íntegra o episódio #6 O mito da beleza com Manuela Xavier




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27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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