O mito da produtividade 24/7 e a relação com a culpa

O discurso da mídia e dos coaches ensina: se você não parar, chegará lá para aproveitar. Lá é O Sucesso™ e nunca chega. Porque a meritocracia e a produtividade 24/7 são duas mentiras.

Trabalho. Casa. Família. Amigos. Estudos. Projetos paralelos. Um idioma. O freela que daria para correr atrás. A rotina de exercícios. A alimentação da semana. Talvez, o novo hobby. Tudo isso é visto como produtividade.

Mesmo na hora da pausa, existe o lazer considerado digno, edificante… E o fútil. E, junto com tudo isso, claro, há a culpa.

Todos os minutos, de todos os dias, poderiam ser preenchidos com uma tarefa produtiva. Mas deveriam?

O discurso da mídia e dos coaches ensina: se você não parar, chegará lá para aproveitar. Lá é O Sucesso™ e nunca chega. Porque a meritocracia e a produtividade 24/7 são duas mentiras.

O Sucesso™


A visão que temos de sucesso é construída socialmente. Portanto, é capitalista, racista, monogâmica e patriarcal.

Assim, se imaginamos alguém extremamente bem sucedido, provavelmente, virão à mente primeiro alguns homens, brancos, gringos.

Bilionários não trabalham mais para se tornarem bilionários. Eles partem de lugares privilegiados e lucram imensamente com a desigualdade.

Mas essa verdade injusta não vende. O sonho americano vende. A ideia de sucesso individual vende.

Se você trabalhar enquanto eles dormem, estudar enquanto se divertem, persistir enquanto descansam… Viverá o que eles sonham. Nada precisa mudar… Só você.
Tempo é precioso
O ócio já foi honroso.

Hoje, costuma ser visto como preguiça, justificativa para o fracasso… Ou um prêmio a ser conquistado apenas quando corpo e mente estão esgotados. Quando precisamos urgentemente de férias.

Há diversos estudos que apontam maior produtividade em menos horas de trabalho e o valor do ócio para a inovação. Então, será que a questão é a produtividade?
Ou estamos sendo educados para investir nosso tempo em uma vida para consumo?
Nela, somos:
Mão de obra: inúteis quando não produzimos.
Produtos: descartáveis e substituíveis, precisando ser constantemente melhorados.
Consumidores: gastando, inclusive, para compensar a exaustão e a falta de tempo.
Tá todo mundo exausto
Um estudo nacional realizado pela UFRGS em 2020 indicou que 80% da população (da amostra) apresentaram sintomas moderados a graves de ansiedade e 68%, de depressão.

A média em pesquisas semelhantes de outros países, como China e Itália, é 30%.

Está todo mundo exausto. A nossa rotina precisa mudar, porque viver para trabalhar, consumir e produzir certamente não está funcionando. Mas como reverter esse movimento de ansiedade e culpa?
Tenho algumas sugestões coletivas e individuais.

Coisas para entender sobre o mito da produtividade 24/7

  1. O valor das pessoas não está no que produzem. Somos mais do que trabalho.
  2. O mito da produtividade 24/7 serve ao capitalismo. Ele é um dos meios de educar pessoas para serem mão de obra, consumidoras e produtos no mercado.
  3. Ninguém é produtivo o tempo todo. Tirar um tempo para si não é preguiça ou atitude “fracassada”. É necessário.
  4. O que alguém consome como lazer não determina sua inteligência. Todo mundo precisa descansar, inclusive a mente.
  5. Sucesso não depende só de esforço individual. Oportunidades, contexto e privilégios precisam ser considerados.
  6. Não há um Sucesso™ único. Pessoas têm prioridades e desejos diferentes.

Mais sugestões para desconstruir o mito da produtividade 24/7

  1. Eleger candidatos que defendem direitos trabalhistas e políticas contra a desigualdade. Assim, as pessoas não vão precisar sempre lutar “sozinhas” e buscar “empreender” por necessidade. Trabalhar normalmente será suficiente e o resto será escolha (de verdade).
  2. Não romantizar produtividade tóxica. Respeite o descanso alheio e repense certos julgamentos.
  3. Não individualizar e despolitizar o sucesso. Privilégios sociais, políticos, econômicos fomentam ou destroem sonhos. É ingênuo transformar a exceção em meta. Ninguém deveria se esforçar à exaustão para conquistar um acesso que outros já nasceram tendo.
  4. Ler “Vida para consumo” de Bauman e “Elogio ao ócio” de Bertrand Russel.
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27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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