Numa sociedade patriarcal, o respeito é entendido como direito dos homens. Não apenas para possuir, como para decidir quais mulheres “merecem” ou não recebê-lo.
Assim, é natural que a definição de “mulher que se dá ao respeito” seja… subjetiva. Porém, após uma longa pesquisa, mapeei que costuma descrever mulheres que:
– Não sejam sexualmente ativas;
– Não usem roupas curtas ou muita maquiagem;
– Não bebam ou fumem;
– Não falem palavrão ou alto demais;
– Tenham sonho de casar, ter filhos e ser “donas de casa”;
– Não desafiem o patriarcado, o machismo e homens por liderança e seu lugar ao sol.
Respeito X Subjetividade
Respeito não é um prêmio que nos espera ao final de um caminho árduo, traçado com muito trabalho, sacrifícios e notas de rodapé.
É um direito de todas as mulheres. Não podemos permitir que haja qualquer porém ou subjetividade atrelados a isso. O único culpado por um crime ou desrespeito é o agente, nunca a vítima.
Pense: Se “não se dar ao respeito” fosse causa de violência sexual… As vítimas de estupro no Brasil aconteceria majoritariamente em casa, com vítimas de até 14 anos?
Por que homens podem andar sem camisa, rir e falar alto, beber, ser ambiciosos, sem medo de, por isso, serem assediados, estuprados ou silenciados quando denunciarem um crime?
Rivalidade X culpabilização feminina
A separação entre mulheres que se dão e que não se dão ao respeito é prato cheio para duas crias do patriarcado: rivalidade e culpabilização feminina.
Culpabilização porque se o comportamento feminino seguir sendo usado como justificativa para as violências que as mulheres sofrem… Os homens nunca serão plenamente responsabilizados.
“E o que ela estava vestindo? // Mas o que estava fazendo lá? // Ela bebeu? // Se estivesse em casa… // Ele só fez isso porque ela…”
Rivalidade porque quando mulheres se definem como diferentes e apontam o dedo para as que, supostamente, não se dão ao respeito, elas acreditam estar seguras. E não estão, claro.
“Mulher tem que se dar ao respeito” – coisas para não esquecer sobre o assunto:
1. Toda mulher merece respeito. E dizer que não é machista. Afinal, se homens não precisam, não há qualquer justificativa não-sexista para as mulheres precisarem.
2. Se posicionar como uma “mulher que se dá ao respeito” não te deixa mais segura do que as outras mulheres. Você pode ser vítima de violência sendo bela, recatada e do lar.
3. Permitir que o respeito seja por “merecimento” é culpabilizar mulheres. De novo.
4. Se o merecimento é subjetivo, as regras vão sempre mudar de forma desfavorável às mulheres. Ou seja, até as “mulheres que se dão ao respeito” também vão ser silenciadas quando, do outro lado, houver um homem.
Mística feminina X bela, recatada e do lar
Em 1963, Betty Friedan publicou o livro “A mística feminina”, que basicamente aborda e refuta a versão da “mulher que se dá ao respeito” de 60 anos atrás.
Naquele tempo, a mulher que merecia ser valorizada era a que preenchia a cartilha com 4 itens: domesticidade, maternidade, castidade e passividade. Não achou tão diferente de hoje? É porque não é.
As características seguem exaltadas. Claro, os discursos se atualizaram e ganharam disfarces. Por exemplo: o que está por trás da expressão “pra casar”? Ou dos filmes com mulheres independentes e focadas na carreira… que só encontram a felicidade verdadeira ao se apaixonarem, casarem e se tornarem mães?
P.S.: Evoluções são desconfortáveis!
Quanto mais mulheres alcançarem cargos de liderança, na política, na mídia… Mais resistência encontraremos.
Os tempos mudaram, mas as respostas à evolução e à liberdade feminina têm sido violência e conservadorismo há séculos. Das fogueiras aos casamentos arranjados ao mito da beleza.
Mulheres estão avançando econômica e politicamente? Então, serão mais cobradas para serem belas. Jovens. Cuidadoras. Passivas. Serão ameaçadas, julgadas e silenciadas ao exercer seu trabalho, ao transitar livremente.
Isso não comprova que mulheres precisam mudar para ser respeitadas. E, sim, que a ideia se baseia em uma opressão. Nenhuma mulher se dará “ao respeito” enquanto desafia “o seu lugar” no patriarcado.
Toda mulher merece respeito, sem precisar mudar nada pra isso. Respeito não é um prêmio que precisamos conquistar com esforço e bom comportamento.
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