As princesas dos contos de fadas. As mocinhas das novelas.
As protagonistas dos livros. As estrelas de cinema.
Crescemos entendendo que mulheres de sucesso são amadas. Nenhuma outra realização é mais importante do que ser escolhida, do que o amor romântico.
Dentro disso, é claro, estão outros ensinamentos tóxicos: uma mulher para ser amada precisa ser jovem, bonita, magra, branca, pura.
Vale na mesma medida em que é amável. Domável. Vale até quando defende os homens. Quando aceita ser escudo pra seus erros, quando se responsabiliza, quando assume a bronca e a culpa por eles.
Culpada ou vítima?
É comum que vejamos em filmes “românticos” a seguinte história:
O cara demonstra interesse. Flerta, puxa assunto, vai atrás e não mede esforços para demonstrar o quanto quer ficar com ela. Mas…quando a conquista, tudo muda.
A partir daí, passa a ignorar. Já não faz mais questão, já não quer mais saber. Quando questionado, se esquiva. Coloca a culpa nela. Não diz “não quero mais”.
A intuição dela grita: “tem algo errado aqui”. Mas ele garante que está tudo bem. Quando percebe que ela vai desistir, vai atrás, pede perdão. Faz uma declaração de amor. E ela acredita.
Quem nunca viveu ou viu uma amiga viver algo assim?
Ela não precisaria “se ligar” ou ficar desconfiada o tempo inteiro se….ele fosse sincero. Então por que culpá-la por acreditar e não ele por manipulá-la?
A socialização feminina e a “insistência” no amor
É fácil ver de fora e perguntar: então, por que ela não termina? E são tantas respostas. Tem a ver com a socialização feminina – e a romantização do amor sofrido, do amor que supera tudo, da mulher que resiste e muda o homem.
Tem a ver com o ciclo do abuso, em que começa com tudo lindo, passa pelo conflito, depois com a culpabilização da mulher e reinicia com o pedido de perdão e a promessa de melhora.
Tem a ver com a destruição da sua autoestima. A confiança é reduzida a cada vez em que o ciclo se repete. Muitas vezes, ela sai de cortejada a carente. De desejável a desesperada. De empoderada a colocar as preferências e prioridades dele em primeiro lugar.
O que podemos aprender com o ciclo do abuso e a socialização feminina?
1. Existem diferentes tipos de abuso.
Nem tudo é soco na parede, empurrão, dedo na cara e gritaria. Há o abuso que mina a confiança, que faz com que a vítima se sinta culpada, pequena, confusa.
2. Se uma mulher não está pronta para ver, para ir embora, provas concretas dificilmente serão suficientes.
3. A culpa nunca é da vítima.
Ela não precisaria ter que ficar atenta e na defensiva o tempo inteiro, analisando situações, comportamentos e falas….se ele tivesse responsabilidade afetiva.
A confiança dela foi minada pelas escolhas dele. Pelos gestos românticos seguidos de desinteresse. Pelas declarações seguidas de abandono.
Ela precisa de acolhimento, precisa de ajuda para recuperar a autoestima. Só aí ela vai estar pronta para ver.
4. Não dá para ensinar mulheres que seu valor está ligado a um relacionamento…E depois culpá-las por acreditar. Por ignorar microviolências, por voltar atrás, por não ouvir os amigos, por ficar.
5. Se alguém parece não ligar… Acredite.
Em muitos casos, a vítima percebe os sinais de desinteresse e, com frequência, pergunta se estava/está tudo bem, demonstra notar que há algo errado e que sempre precisa “correr atrás”. A intuição é um alerta poderoso.
6. Pensar primeiro em si não é egoísmo. É sobrevivência.
Mulheres precisam se unir. Se proteger. Se apoiar. Homens geralmente estão muito ocupados protegendo uns aos outros. Passou a hora de entendermos: nós por nós.
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